quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Debatendo heroísmo e enfiando o dedo na ferida


Herói é aquele que se distingue por seu valor ou por suas ações extraordinárias. Para os gregos eram os grandes homens divinizados, para as civilizações modernas são os principais personagens de livros, filmes ou da vida real. Um herói pode ser um vilão, depende dos interesses de quem analisa ou divulga a sua atuação, portanto, apenas precisa realizar um feito brilhante e valorizado por um grupo de pessoas para ser glorificado.
Na saga cinematográfica Star Wars, Luke Skywalker enfrentou o império e seu pai Darth Vader pela libertação do universo. No livro O Senhor dos Anéis representantes dos povos da terra média uniram-se para destruir o dominador maléfico Sauron. Chê Guevara é um ícone, divide opiniões sobre ser um mocinho ou bandido, usava o discurso social e teve o ápice de sua glória em Cuba, mas para o governo de Cuba da época e para os líderes mundiais de direita ele era um perigoso inimigo a ser batido. O terrorista Osama Bin Laden é considerado por seus seguidores um herói, pois com um golpe feriu a tranqüilidade dos EUA, país que sua organização terrorista despreza. No Brasil, jovens ativistas enfrentaram os horrores da Ditadura Militar, para o governo eles eram transgressores. O Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite, se firmou no imaginário brasileiro como o grande herói nacional, mesmo sendo considerado por alguns como um símbolo de autoritarismo e violência. No BBB os abobados enfrentam as besteiras insanas dos criadores do programa, simplesmente para alimentar nossa ignorância. E ainda tem os heróis do futebol que são flagrados bêbados, exibindo armas, na companhia de seus amigos traficantes, assassinos ou incentivando a prostituição de mulheres e de transexuais.
Partindo do pressuposto inicial de que um herói precisa realizar um grande feito e ser reconhecido por um grupo de pessoas, pode-se dizer  que, de certa forma, muitos marginais de nossa sociedade poderiam ser considerados uma legião de heróis, algo como a “Liga da Justiça oprimida”. Pode nem haver uma ideologia que guie as suas ações, sua ideologia são suas vidas, é o simples fato de existir como um ser inferior e desejar viver melhor.
Vejam bem, grandes homens da realidade e da ficção enfrentaram a política e a sociedade de seu tempo, enfrentaram situações adversas para defender suas vidas, sua liberdade. Quer situação mais opressora do que a vida numa favela brasileira? Excluídos de tudo, acuados pelo preconceito, pelo medo, pelo sofrimento, sem oportunidade de crescimento pessoal, passando fome, desejando carros, desejando andar bem vestidos, possuir status, viajar, serem felizes como nas propagandas de margarina... Simplesmente o bandido não aceita sua condição humilhante de submissão, poderia até vencer com um esforço sobre-humano jogando conforme as regras do mundo capitalista, mas a corrida é injusta, então ele luta com as armas que tem, transgride as normas, não aceita o sistema imposto e, mesmo sabendo dos riscos legais que corre, podendo ser preso, podendo ser morto, rompe com o sistema e tenta sobreviver ao caos ou construir uma realidade melhor para ele. É preciso muita coragem para virar bandido e não dá nem para acusar de falha de caráter, pois a sociedade não educou a bandidagem com premissas mais humanizadas capazes de realizar esse tipo de reflexão. São seres brutos, homens e mulheres esquecidos na miséria. Simplesmente foi permitido que vidas humanas brotassem dos esgotos, contaminadas pelo ódio, sofrendo as devidas e perversas mutações. Para eles os vilões somos nós e talvez estejam certos.
Ser um herói é relativo.
Não é um texto de apologia ao crime, não se está defendendo a criminalidade. Roubar é errado, matar é errado, prejudica o “nosso mundo”, põe em risco as acomodadas vidas dos cidadãos comuns. Toda a transgressão precisa ser punida, isso é fato, mas convenhamos que o atual sistema (mesmo o Brasil sendo hoje uma das maiores economias do mundo) não educa decentemente, não oferece saúde adequada, não proporciona segurança para a população e exclui grande parte de seus membros. E o pior, parece nem se importar com isso, com exceção nos discursos em tempos de eleição é claro. O sistema é corrupto em todas as esferas, políticos não atuam com seriedade, não são capacitados e acabaram de aumentar seus salários mais uma vez. A sociedade vive uma imensa crise de valores e de individualismo, ninguém se importa com nada, e ainda, hipocritamente, exalta-se que o brasileiro não desiste nunca e é um povo feliz.
No fundo cada um sabe e sente o que é certo e o que é errado, simplesmente o certo é o que for melhor para todos, e não apenas para uma minoria, ponto final. Mas ninguém quer agir, a consciência e a prática cidadã estão em estado de hibernação. Chegam a criar super heróis de ficção para suprir a anestesiada necessidade de se fazer alguma coisa no mundo real.
Efetivar a mudança é complicado, é preciso de pessoas informadas, capazes de raciocinar e agir. Naturalmente existe o medo de se perder competitividade na individual corrida para ver quem será mais bonito e mais rico no final das contas. Poucos querem se envolver e começar a pensar ética e coletivamente. E nem super poderes são necessários, basta votar direito, cobrar resultados, exigir punições rígidas para os corruptos, vigiar as empresas, as lideranças sociais e realmente se importar com qualidade de vida e dignidade para todos.
E mesmo que o milagre da conscientização coletiva aconteça, tome cuidado, pois na maioria das vezes, a mídia é a grande “Kriptonita” social, mantém homens e mulheres ocupados com novelas, futebol, músicas pífias e estímulo ao consumo, ela amolece o músculo da imaginação e das discussões que realmente importam para o Brasil se tornar numa nação de verdade e não uma grande e mal contada piada.

Autor: Marcelo Trilha

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