domingo, 27 de novembro de 2011

Vampiros com chantilly



Vampiros com chantilly

Naquela noite assumimos o controle do cinema, era o nosso particular ato de terrorismo cultural, hora de dar uma pequena, quase que insignificante, mas merecida chinelada nos modismos contemporâneos. Era apenas uma desforra de rebeldia com requintes de crueldade e humor negro.

Adolescentes e adultos sem alma, vestidos de preto e desfilando as arrojadas tendências atuais, faziam fila com seus olhos vidrados e corações lacrados para assistir a mais nova febre do momento, o filme Amanhecer, continuação da saga Crepúsculo. Nem vamos entrar no mérito da discussão sobre como o comércio deturpa mitologias e ícones da criatividade humana em detrimento do lucro. No caso, transformando os vampiros sanguinários, seres das trevas, em belos, bonzinhos e descolados galãs e “galoas” que despertam paixões, lançam moda, fazem caridade e poderiam até substituir o Luan Santana no mainstream, caso resolvessem cantar sertanejo universitário. É possível, não é um pensamento absurdo, sorte que ninguém ainda pensou nisso, já imaginou, “hoje tem show da viola caipira vampira”. Sucesso na certa!

Pois bem, esperamos as pessoas comprarem eufóricas suas pipocas com embalagens personalizadas do Edward e da Bella, suas “refrescolas” e adentrarem na sala. E então o verdadeiro show começou.

A sala de cinema foi trancada com correntes e cadeados, e o filme foi substituído por uma obra de vampiros que honra a sua tradição de horror. Escolhemos o recente filme coreano Sede de sangue, do diretor Park Cham-wook . Uma obra pesada, consistente, agressiva, que mistura violência, suspense, sexo, cultura oriental, religião... Conduzido por um excelente roteiro, capaz de chocar platéias acostumadas ao gênero e que, certamente, iria configurar-se numa impactante experiência para o público jovial.

Poderíamos até passar filmes excelentes como Drácula de Bram Stoker ou o sueco Deixe ela entrar, mas ponderamos que o momento merecia algo extremo e perturbador, afinal, é importante avisar essa turminha que não devem brincar com vampiros. O recado seria dado. (risos)

Claro que ficamos com receio das pessoas não entenderem a obra, afinal, o filme seria projetado com legendas e não dublado, a velha artimanha da indústria para pessoas infantilizadas.

No começo houve um princípio de confusão, alguns tentaram abrir a porta, esforço em vão e o espetáculo seguiu com o som a todo o volume, ar condicionado ligado no máximo para arrepiar a espinha, sangue, escatologias e uma história doentia escorrendo na tela do cinema que nunca havia presenciado tamanha manifestação artística e bizarra. Aos poucos a platéia parou de reclamar e silenciou. Gritos reais e choro foram percebidos. Claro que não generalizados, alguns sofreram calados, outros foram escandalosos, e até aposto que alguns gostaram.

Quando faltavam uns vinte minutos para a sessão acabar, fomos embora, ligamos para a segurança do local ir abrir a sala. No outro dia certamente o assunto tomaria as ruas da cidade. Vídeos gravados com a reação das pessoas ao filme seriam publicados na internet e a ação de guerrilha ganharia status e fama.

Cheguei em casa satisfeito, um pouco apreensivo pela repercussão do ato, mas feliz por ter pelo menos um pingo de coragem e dar um soco no estômago do sistema. A adrenalina estava alta, demorei a dormir.

Comecei a sentir que o ambiente estava gelado, mas o sonolento pensamento ainda me mantinha distante da realidade consciente. Era um incomodo frio que aos poucos me fez acordar. Abri os olhos e percebi o vulto dentro do meu quarto. Senti um medo que jamais havia experimentado, fiquei apavorado, imóvel, apenas com os olhos arregalados encarando aquela figura fantasmagórica na minha frente, tentando entender o que estava acontecendo. O invasor deu dois passos a frente. Um raio de luar que entrava pela janela iluminou o seu rosto, não acreditei no que estava vendo. Era ele, o próprio, o vampiro Edward, com seus dentes afiados e olhos vermelhos. Ele ficou me olhando, saboreando o meu medo, a sua vingança e disse:

- Você não deveria tentar desmoralizar o meu clã e os meus fãs. Agora vai pagar caro. Eu vou sugar você.

Opa, isso não estava no script. Parem o mundo que eu quero descer, agora sim eu estou apavorado. Eu não sabia qual seria o meu fim. O que ele iria fazer? O que ele queria dizer com aquilo? Por que a Bella não veio junto? Que hora inconveniente para dualidades até porque, afinal de contas, essa nova geração de vampiros está muito moderninha. Apenas me encolhi todo e estiquei o pescoço o máximo que pude, protegendo o corpo, mas deixando a jugular totalmente vulnerável, ao fácil alcance do emissário das trevas, ou de Hollywood, sei lá. Seria bem mais agradável e honrado morrer assim. Melhor não arriscar né?

E nem adiantava esperar o nascer do sol, porque ele não morre, ele brilha.

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