terça-feira, 29 de abril de 2014

Longe do sol quente de sua pele


Hora que não passa
Estou preso aqui
Longe do sol quente de sua pele
De sua consciência poética
Com pouca disciplina cósmica
Mas muita teoria existencial
Me faça fugir
Me eleve ao nirvana
Me salve de mim mesmo
De certa forma... 
Sendo justo
Só de pensar em ti já estou me salvando
Quero transpirar sorrisos através de teus olhos
Preciso de paz
Preciso de ti
Quero o mundo com medo da gente
Os teus sonhos me sequestraram de uma necessária loucura cruel

                                                                                                Para Lia.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Respeite


Respeite
Coloque-se no seu lugar
Eu sou melhor do que você
Eu me visto bem
Eu posso mais
Você não é nada
Uma multidão me segue
Ninguém escuta você
Eu demonstro mais fé
Eu sou uma boa pessoa aos olhos da cidade
Me desejam mais
Eu posso mais
Eu ganho mais
Eu mereço mais do que você 
Meu carro, minha roupa, meu circulo social, minha bebida
Meu cheiro é melhor
Meus filhos serão melhores que você
Meus filhos serão melhores que os teus
Você perdeu
Exala fracasso
Você é impuro
Não pertence a este mundo
Ao meu mundo
Pare de chorar
Pare de questionar
Venere-me
Respeite
Coloque-se no seu lugar

Nossa sociedade valoriza mais as posses do que a construção de uma coletividade humanizada. Nos sentimos acuados por ostentações, por futilidades e assistimos sonhos sendo dilacerados pela ganância e pela ignorância. Parabéns para você, para sua cegueira crítica e existencial, que contribui com a manutenção das lágrimas e da vergonha.

terça-feira, 22 de abril de 2014

Rosa de menina em flor


Era tão especial, tão meiga, tão perfeitinha. Nasceu com pele alva, cabelos loiros, olhos azuis e bochechas fartas que pediam apertões e viviam rosadas. Cresceu sendo a engraçadinha, a fofinha, o bebê de propaganda que vivia cativando a todos com sua sublime imagem e com um sorriso enebriante que desmanchava até o mais duro dos corações. Falava tudo corretamente, era educada, obediente, estudiosa, respeitava os pais, os mais velhos, levava o seu prato até a pia, ajudava a lavar a louça... Era um anjinho. Jamais causava preocupação alguma a sua doce mãe e tão pouco alguma decepção ao orgulhoso papai. Menina de ouro. Virou adolescente, só tirava 10, sentava na frente, não conversava, não se distraía, pedia silêncio aos colegas, levantava a mão quando queria falar, impressionava pela oratória, ganhava as competições de ciência, era a preferida dos professores e dos funcionários da escola. Vivia impecável em suas roupas claras, sempre combinando, com muito bom gosto, artigos da moda atual. Usava maquiagem leve e cabelo simetricamente cortado. Sempre com postura ereta, fazia balé e tinha estilo, era imponente ao movimentar-se. Devota, toda santinha, não aceitava saliência dos meninos, mesmo dilacerando corações juvenis. Casaria pura, após um namoro comportado, isto era certo. Era considerada a mais bonita da sala, do colégio, da cidade... Desfilava para lojas e saía no jornal. Destacava-se nos esportes, na natação, no vôlei, na esgrima, nas danças, no karatê, no vídeo game e praticava alpinismo. Era prendada, bordava, sabia cozinhar, sabia como organizar uma mesa e adorava receber convidados. Criava com muito carinho e visitas semanais ao pet shop, dois gatos persa, um casal de canários, um yorkshire terrier, um pug e um shih tzu. E como cantava, era dona de uma voz sublime, afinadíssima, além de dominar o violino e estar aprendendo piano. Era uma rosa de menina em flor. Ela era superior, caminhava sem tocar os pés no chão, teria um futuro brilhante, casaria com o melhor dos homens, teria o mundo aos seus pés. E num belo dia, após voltar da costureira que estava dando os últimos retoques no seu inigualável vestido branco para o baile de debutantes do clube social, após chegar em casa e estar solitária no aconchego do banheiro brilhante de seu lar, sentiu algo estranho movendo-se em seu interior, um leve desconforto querendo escapar de sua barriguinha branca e esbelta, sentiu um pouco de medo, mas concentrou-se para terminar logo o que havia começado sem fazer barulho. Afinal de contas, princesas não fazem barulho. Percebeu que um elemento estranho saía de dentro de seu corpinho. Resolveu olhar e, para seu espanto e comoção, viu que uma rosa havia brotado de seu cu.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Flores na ferrovia


Não marque o passo em falso
Do lado errado do salão
Fantasmas rondam em silêncio
Não buscam a multidão
Você grita por piedade
E acorda o que engole sangue
Nem todo o final é feliz
Nem todo o sonho é bom

Sinta a lua do meio dia
Chore com gosto de sal
Engula suas angústias
Mantenha os trilhos sob o olhar
Tome cuidado por onde pisa
Não é hora de descansar
Há flores na ferrovia
E os escorpiões saem para tomar sol

Caminhe até os joelhos doerem
Depois caminhe um pouco mais
A estrada da vida é dura
Mas uma hora chega o final