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terça-feira, 14 de abril de 2015

Conexões do enfaro

Tem músicas que tocaram demais, que já escutamos sua cota nesta encarnação. 
Nem todas, mas muitas delas são boas composições que tornaram-se saturadas pelo excesso de audições e exposições decorrentes de seu sucesso. Tem internacionais como Enter Sandman, Smells Like Teen Spirit, Jump, Smoke on the water, The Wall e por aí vai... São legais, mas não aguentamos mais escutar. Nos versos abaixo brincamos com algumas composições nacionais, neste mesmo sentido.              

               

Será só imaginação
Eu tava só, sozinho
Eu quis dizer, você não quis escutar
Depois daquela noite de festa
Encontrei uma barata na cozinha
O gato preto cruzou a estrada
É pau, é pedra, é o fim do caminho
Meia noite no meu quarto
Quando o segundo sol chegar
Vou pedir para você voltar

Quem me dera ser um peixe
Às vezes no silêncio da noite
Abordar navios mercantes
Dizem que sou louco por pensar assim
Prefiro ser essa metamorfose ambulante
Todo mundo está revendo o que nunca foi visto
Uma menina me falou
Devia ter amado mais
Bola na trave não altera o placar
Não posso ficar nem mais um minuto com você

Não me convidaram para esta festa pobre
Vamos fugir deste lugar baby
Eu quero levar uma vida moderninha
O bico do beija-flor beija a flor
Moro num país tropical
Vocês que fazem parte dessa massa
Amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito
Só depois de muito tempo fui entender aquele homem
Era um garoto que como eu
Levava uma vida sossegada

Quem te vê passar assim por mim...

terça-feira, 22 de abril de 2014

Rosa de menina em flor


Era tão especial, tão meiga, tão perfeitinha. Nasceu com pele alva, cabelos loiros, olhos azuis e bochechas fartas que pediam apertões e viviam rosadas. Cresceu sendo a engraçadinha, a fofinha, o bebê de propaganda que vivia cativando a todos com sua sublime imagem e com um sorriso enebriante que desmanchava até o mais duro dos corações. Falava tudo corretamente, era educada, obediente, estudiosa, respeitava os pais, os mais velhos, levava o seu prato até a pia, ajudava a lavar a louça... Era um anjinho. Jamais causava preocupação alguma a sua doce mãe e tão pouco alguma decepção ao orgulhoso papai. Menina de ouro. Virou adolescente, só tirava 10, sentava na frente, não conversava, não se distraía, pedia silêncio aos colegas, levantava a mão quando queria falar, impressionava pela oratória, ganhava as competições de ciência, era a preferida dos professores e dos funcionários da escola. Vivia impecável em suas roupas claras, sempre combinando, com muito bom gosto, artigos da moda atual. Usava maquiagem leve e cabelo simetricamente cortado. Sempre com postura ereta, fazia balé e tinha estilo, era imponente ao movimentar-se. Devota, toda santinha, não aceitava saliência dos meninos, mesmo dilacerando corações juvenis. Casaria pura, após um namoro comportado, isto era certo. Era considerada a mais bonita da sala, do colégio, da cidade... Desfilava para lojas e saía no jornal. Destacava-se nos esportes, na natação, no vôlei, na esgrima, nas danças, no karatê, no vídeo game e praticava alpinismo. Era prendada, bordava, sabia cozinhar, sabia como organizar uma mesa e adorava receber convidados. Criava com muito carinho e visitas semanais ao pet shop, dois gatos persa, um casal de canários, um yorkshire terrier, um pug e um shih tzu. E como cantava, era dona de uma voz sublime, afinadíssima, além de dominar o violino e estar aprendendo piano. Era uma rosa de menina em flor. Ela era superior, caminhava sem tocar os pés no chão, teria um futuro brilhante, casaria com o melhor dos homens, teria o mundo aos seus pés. E num belo dia, após voltar da costureira que estava dando os últimos retoques no seu inigualável vestido branco para o baile de debutantes do clube social, após chegar em casa e estar solitária no aconchego do banheiro brilhante de seu lar, sentiu algo estranho movendo-se em seu interior, um leve desconforto querendo escapar de sua barriguinha branca e esbelta, sentiu um pouco de medo, mas concentrou-se para terminar logo o que havia começado sem fazer barulho. Afinal de contas, princesas não fazem barulho. Percebeu que um elemento estranho saía de dentro de seu corpinho. Resolveu olhar e, para seu espanto e comoção, viu que uma rosa havia brotado de seu cu.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

O selvagem capitalista


Hoje à noite, às vinte horas, no Cosmic Geografhic, transmitidos “intergalacticamente” para mais de 200 sistemas solares, você assistirá o programa “O Ser Humano”. Conheça esta peculiar criatura que habita o planeta Terra. Mandamos uma equipe de observação que captou imagens raras e impressionantes destes moradores da Via Láctea.
Humanos!
Nome científico: Homo Sapiens, do latim "homem sábio". Também chamado de pessoa, indivíduo, gente, sujeito ou cara...
Os humanos habitam o planeta terra. A terra é o terceiro planeta mais próximo do Sol. A terra, ou mundo como também é chamada pelos humanos, é o lar de milhões de espécies de seres vivos.
A espécie humana é dotada de um cérebro altamente desenvolvido, com inúmeras capacidades como linguagem, autoconsciência, racionalidade  e capacidade de solucionar problemas. Com sua inteligência, corpo ereto e polegares opositores, que tornaram suas mãos hábeis, os humanos conseguem manipular objetos com precisão e criar ferramentas e comportamentos capazes de alterar o ambiente a sua volta.
Nenhuma outra espécie do planeta atingiu tal grau de criação e destruição.
 Ao longo de sua história evolutiva os humanos desenvolveram primitivas e modernas estruturas sociais. De seu convívio surgiram tradições, rituais, leis e valores. A cultura gerou as mais belas expressões artísticas, a ignorância e o radicalismo geraram as maiores barbáries e guerras, a ganância, a indiferença e o consumismo geram constante sofrimento aos excluídos das diversas sociedades.
Os humanos conquistaram incrível expansão territorial e desenvolvimento tecnológico, mas infelizmente não conseguiram determinar um padrão evoluído de civilização e sua forma de existência desequilibra toda a vida no planeta.
Podemos definir esta criatura tão peculiar como “o selvagem capitalista”. São dotados de razão, embora permitam que seus instintos primitivos determinem suas ações. Utilizam a comunicação de massa não para integração, educação e desenvolvimento, mas para alienação e fomento de hábitos negativos. Permitem que as discussões mais superficiais tomem conta de seu cotidiano e ignoram a arte, o senso de coletividade e a coexistência sustentável.
É uma raça que persegue a sua extinção. São agrupados em tribos, mas cultivam o individualismo. Focam o prazer no consumo vazio e alguns sobrevivem explorando os mais fracos de sua espécie.
A vida precisa de água limpa, ar limpo e equilíbrio entre as espécies para existir em harmonia. O homem esgota recursos e não demonstra estar realmente preocupado com as conseqüências de suas ações. O selvagem capitalista ainda não percebeu que caminha para o seu fim, pois continua investindo em altos padrões de consumo e na degradação das virtudes de sua espécie.
A terra é um planeta hostil.
Belas roupas, mas índole comprometida.
Tecnologia de ponta, mas utilização nociva.
Corpos futuristas e almas cavernosas.
Homem moderno, homem selvagem de alma, de amor ao próximo, de cooperação, de harmonia com a natureza. Homem apaixonado pelo poder, arrogante e ambicioso. Homem individualista que não quer deixar legado, consolidar uma civilização evoluída, pacífica e duradoura.
Os humanos sangram o seu planeta e deixam um rastro de caos para as gerações futuras.
Vislumbre o orgulhoso ser humano do plante Terra.




segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Coração máquina tu és





Você boceja
Acordou mais cedo hoje
Não conseguiu dormir direito
Talvez preocupado com o que te falta possuir
Mas o que te falta?

Microsoft, Nike, Apple, Toyota, Calvin Klein, Nokia, Adidas, Dijon, Absolut, Claro, Citroen...
Você conhece todas as marcas do capital
Você caminha pela alameda da cidade vitrine
Reza na catedral das compras
Possui o poder de lambuzar-se de poder

Querer poder mais que os outros

Você assiste televisão
Muita televisão
Ama futebol
Está se apaixonando por MMA
Vibrou com a Carminha nos últimos capítulos da novela
Não perde open bar de nenhum dos “melhores” shows do ano
E conquistou 832 amigos no Facebook

Você assiste o Big Brother e o grande irmão assiste você

Pegue o celular
Registre o inexpressivo momento da espécie humana
Duck face e contra plongée

Você sabe beijar, mas desperdiça beijos

Você bebe um pouco de veneno todos os dias
Não o veneno real, o termo é uma metáfora...
Opssss... você não sabe o que é isso?
Não importa!
Você bebe o veneno do mundo pré digerido
A papinha eletrônica do modelo cidadão
A toxina que não te mata
Mas anestesia o músculo da imaginação

Reconsiderando: 
mata sim, mas não o corpo

Um desejo jamais será saciado
Você tenta, mas é tentado
Consome e é consumido

Coração máquina tu és

Dorme
Come
Assiste
Escuta
Aspira
Trabalha
Compra
Serve
Morre... Homem moderno em ciclo.

Você consome mais publicidade do que arte
Você consome mais propaganda do que amor

Emaranhado e complexo sistema
Imperceptível para os normais

Sabe por que você não dormiu bem?
Talvez te falte uma vida que seja sua

A existência é determinada por gigantes invisíveis que arrotam caviar e sangue doce do terceiro mundo

Theodor Adorno bem que tentou avisar, mas Michel Teló, Manoel Carlos e Neymar são bem mais legais

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O empresário é um herói!




O empresário não possui raios laser para aniquilar a concorrência, não possui visão de raios-X para ver se os seus empregados estão fazendo corpo mole durante o expediente e, muito menos, possui raios magnéticos e hipnóticos para atrair e conquistar clientes. Mas, mesmo sem poderes especiais, ele pode ser considerado um verdadeiro herói. Um super herói da vida real.
Há poucos dias ouvi uma pessoa comentar que sempre sonhou possuir um negócio próprio, mas que ao começar a trabalhar numa empresa e ver como tudo funcionava, os árduos processos gerenciais, os impostos e a sufocante burocracia, percebeu que era muito mais cômodo e aconselhável continuar como funcionária.
Veja como é “fácil” ser um empresário:
Primeiramente, o empreendedor ou empreendedora precisa apenas dominar alguns poderes, digo, habilidades como organização, comunicação, escrita, ética, foco em objetivos e responsabilidade. Depois precisa estudar muito, buscar experiência e formação certificada. Compreender finanças, recursos humanos, logística, marketing... Enfim, adquirir conhecimentos técnicos, científicos e também filosóficos, para desenvolver a criatividade e a autonomia do pensamento.
É importante ressaltar que este processo de estudo vai continuar ao longo de toda a sua vida. O empresário está condenado a manter uma busca constante por novidades e atualizações, evitando parar no tempo e perder competitividade.
O herói da nossa fábula moderna precisará ter a idéia do negócio que deseja empreender. Definir com o que vai trabalhar, como vai trabalhar, levantar o maior número de informações possíveis, aplicar pesquisas de mercado e elaborar o seu plano de negócios.
Somente então, com capital em mãos, plano traçado e os contatos certos, somados a muita determinação e atitude proativa, ele poderá abrir seu próprio negócio, buscar torna-se competitivo e, quem sabe, até lucrar dentro de alguns anos.
Caso não bastassem esses pequenos detalhes para o ser humano tornar-se um empresário, ele ainda precisa de suporte de outros profissionais para selecionar funcionários, contratar, despedir, necessita de apoio jurídico, contábil, de profissionais de informática, de publicidade... E a questão ganha ares de sanguinolentos filmes de terror quando abordarmos os impostos: é nota fiscal eletrônica, é ICMS, é PIS, é Cofins, é Simples, é CSLL, é IRPJ, é o SPED Fiscal... “S.O.S.”... É sigla que não acaba mais. Isso sem contar as exorbitantes taxas de luz, telefone e internet que o brasileiro já paga.
Espero que você ainda não esteja cansado e amedrontado para continuar, porque a situação piora. O Governo Federal, transferindo sua responsabilidade de educar e dar condições dignas de cidadania para a população jovem, criou um tal de Menor Aprendiz, que obriga o empresário a contratar jovens e treiná-los, seguindo uma rígida burocracia que, na maioria das vezes, representa apenas mais um custo para as empresas.
O empresário também precisa estar envolvido com a sua cidade, com o desenvolvimento coletivo de sua região. Por que? Porque ele mora nesse lugar e quer qualidade de vida para sua família e para sua comunidade. Quanto mais desenvolvida for à economia de sua cidade, melhores serão suas oportunidades de continuar lucrando. Quanto mais justas forem as condições sociais de sua cidade, melhor será o ambiente de convivência para todos. A força da coletividade é capaz de defender os interesses de uma classe, de uma população e de realizar transformações gigantescas numa localidade, mas é preciso contar com participação de seus membros.
Na teoria, herói é aquele que se distingue por seu valor ou por suas ações extraordinárias. Para os gregos eram os grandes homens divinizados, para as civilizações modernas são os principais personagens de livros, filmes ou da vida real.
Caro empresário, se você leu até aqui e se reconhece nessas linhas, pode abrir a camisa, mostrar o “S” de “Super” no peito do uniforme, colocar a capa e sair voando pela janela. Você merece um passeio ao ar livre para aliviar um pouco o stress do cotidiano. Você é um herói.


terça-feira, 24 de julho de 2012

Epifania ou algo assim




Epifania ou algo assim

Tem semanas em que um corvo senta no seu ombro.
Você começa a ser golpeado por todos os lados.  
São pancadas que vem dos outros e pancadas por culpa sua também.
Então você engata o pente na ponto 50 e atira em todas as direções.
E com raiva faz mais lambança ainda.

A vida passa rápido e você não pode perder o controle.
Você tem é que refletir para não perder o fio da meada.
Uma mente inquieta é vital para manter-se em evolução.
Procurar caroço em bananas é tarefa para quem tem tempo à desperdiçar. 
Ficar remoendo é ficar doente.
Mas tem gente que gosta de sentir-se assim.
Com cogumelos de Hiroshima dentro do estomago.

Um pensamento piegas, bem brega, auto-ajuda, me ocorre.
Vamos lá:
É preciso olhar para frente e cultivar para os dias que vem.  
Pois nestes dias você pode agir.
No que passou não.

Parece que foram identificados resquícios de burrice, sarcasmo, rancor ou arrogância incrustados na alma.
Seria isso algum tipo de epifania?
Não sei.
Conheço superficialmente o significado da palavra.
E estou com preguiça de pesquisar.
Mesmo com o Google em frente.
Devo ter achado charmoso o mistério “epifanesco” e não quero pesquisar e ter de reescrever partes texto.
E até mesmo mudar o título.
Agora não.

Pauso a divagação e volto:
A falta de vigília pode ter feito com que ervas daninha tomassem conta de uma das cercas laterais.
Capitalismo, vícios modernos e sorrisos fáceis formam labirintos.
E você vive tão enebriado que nem se dá conta que dobrou na curva errada.
Mas, no final das contas...
Nem se deve reclamar.
Todo o pequeno caos deve ser encarado como um sinal.
Dá tempo de repensar os rumos.
E, por sorte, nem está perto de ser tarde de mais.

Amar gente, amar o mundo, ser feliz...
Viver bem é difícil.
Ou se é um tolo... 
Ou se exige o constante exercício do dom perdido da filosofia:
Que tipo de pessoa você quer ser?
Que tipo de mundo você está defendendo?
Que tipo de pessoas você quer ao seu lado?
O que é preciso para ser feliz?
Você só precisa de um código moral, de um plano existencial, de uma pitada de loucura e de boas energias.
Cuide bem do seu rancho e diga não aos vampiros psíquicos.
Good vibes for me and for you.


quarta-feira, 25 de abril de 2012

Um país de mentirinha



 



E lá no alto das montanhas geladas havia uma terra de gigantes homens da pele verde, cabelos amarelos e narizes vermelhos. Eles montavam em dragões, faziam saladas com pés inteiros de bananeiras e adoravam beber água do mar (com peixes e tudo).
Numa nebulosa noite, numa bela casa no alto do vale mais florido, o menino sai de seu quarto e caminha até a cama de pedra dos seus pais. “Papai, não consigo dormir, não tenho sono”. E o sábio homem deitou o filho ao seu lado e disse: - Vou te contar uma história de um país que não existe, de um país de mentirinha.
Imagine um país belo, gigante e imponente, um dos seis países mais ricos do planeta. E mesmo com tanta fartura, a imensa maioria de seus habitantes era pobre, excluída e conformada com esta situação. O seu avô costumava dizer que a pior pobreza não era a econômica, era pobreza de espírito. Acho que concordo com ele, meu filho.
Seus habitantes eram meio sádicos com suas próprias vidas, meio masoquistas, pois deixavam que coiotes cuidassem de suas ovelhas, porcos cuidassem de suas frutas e gatunos vigiassem suas jóias. Claro que não dava certo, problemas aconteciam constantemente, mas mesmo assim eles continuavam aplaudindo e dando crédito para gatunos, porcos e coiotes.
Eles tinham particularidades culturais muito interessantes. Um dia, aquela gente lançou uma festa chamada “favela chick”, com batidas tuxi tuxi e rimas de dar dó. Com apelos sexuais que fariam estivadores criados no bordel passar vergonha. Portanto, o que havia de tão fino, elegante, esnobe ou chick? Nada. A música era popularesca, as danças vulgares e, muitas vezes, os festeiros jogavam seu lixo no chão, falavam palavrões, brigavam, consumiam bebidas, drogas e desciam até o chão. Apenas os corpos moldados em academias, os cortes de cabelo e algumas roupas caras poderiam ser consideradas referenciais de “chiqueza” para os de personalidade fraca, e nada mais. Embalagens sem nada dentro. Viu como era criativo o povo de nossa história meu filho.
Eles também batizaram uma música campestre de “universitária”. Nada contra o som que vem do interior de cada lugar, pois lá mesmo haviam composições e artistas fabulosos da moda de viola e das culturas típicas regionais, mas não era isso que era consumido nas rádios, nas televisões e pelas pessoas. Eles gostavam era da cultura kitsh, quanto mais rasteiro melhor.
“Lêlêlêlê”, “tchê tchererê tchê tchê”, “pápápápá”, “eu quero tchú eu quero tchá”, “ai se eu te pego ai ai”, eram notórios os vestígios do discurso “intelectual e universitário” daquelas composições. Não eram poéticas, complexas, construtivas, apresentavam elementos científicos ou discussões filosóficas para merecerem ser chamadas de “universitárias”. Claro que não, passavam longe do que representa o universo do ensino superior. Era uma música simples feita para pessoas simples, com letras inocentes no começo que depois foram se embriagando com temáticas de sexo, consumo e de desvalorização da mulher.
"Mas por que chamavam essa música de universitária então papai"?
Alguns homens que vendiam essa música resolveram tentar deixar ela mais legal, só na aparência, para dar uma enganadinha e ganhar mais dinheiro. Aí espalharam que era coisa dos ricos, dos descolados, dos inteligentes. Simplesmente jogaram purpurina em cima de um carrinho velho para vendê-lo com um lançamento. Além de criativos eram espertos e sabiam fazer dinheiro, meu filho.
Eles também adoravam televisão, novelas, lutas sangrentas, programas de fofoca e futebol. Nada de papos cabeça, discussões sérias para o futuro do país ou arte. Apenas risos, mesmo que fosse rindo de suas próprias desgraças, o que acontecia na maior parte do tempo. Qualquer ser vivo no universo choraria e se envergonharia diante de sua ruína, mas eles riam e como riam... Faziam piadas, músicas alegres, coreografias lascivas, gravavam reality shows e gargalhavam.
Afinal de contas, quem precisa de educação, de cultura, de protesto e de igualdade social? Eles precisavam é ser felizes, nem que fosse de mentirinha, nem que morressem consumidos pelo nada, com a alma pequenininha e dilacerada por uma existência desperdiçada com a ilusão. Mas, pelo menos, aparentando ser felizes uns para os outros.
Todos parecendo e fingindo, ninguém sendo.
“Ah não papai, essa sua história é ridícula demais, quem acreditaria nisso? Nem eu que sou criança consigo acreditar. Esse lugar não existiria nunca, jamais as pessoas seriam assim tão bobinhas. E olha que eu acredito em gnomos, fadas, fantasmas, alienígenas, bicho papão e até na seleção do Mano Meneses, mas essa sua mentira foi fraca demais. Nunca que as pessoas seriam desse jeito, nunca”!
O homem riu alto, sabia que nem mesmo uma criança seria capaz de acreditar em tamanho absurdo que ele acabara de inventar. Então levantou e foi pegar três rinocerontes na geladeira para preparar um lanche para os dois e esperar o sono chegar.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

As utopias “utopiaram”


foto: Spencer Platt


As utopias “utopiaram”


A casa caiu, a história acabou, o sol se foi, os cartuchos molharam, a vaca morreu, a fonte secou e a pobre da Fênix, cansada de tudo, fugiu. Deve estar agora sentada no anel de saturno, tomando sol, bebendo um mojito e esperando o fim de tudo chegar. Simplesmente podem não existir mais esperanças para a espécie humana.

Ou você tem alguma solução real para as favelas do Brasil?

Ou você acha que os políticos bonzinhos vão começar a investir em edução e trabalhar realmente pelo desenvolvimento justo do país?

Ou você acha que algum poderoso corrupto será preso?

Ou você consegue convencer as mega-corporações a valorizarem a vida, preservando o meio ambiente e respeitando pessoas, não fazendo apenas apologias à uma sustentabilidade de faz de conta?

Ou você acha que algum dia Maurício Baia ou Céu serão mais valorizado que o Latino ou Luan Santana?

A base da cultura nacional atual é produzida por pessoas que mal sabem ler, que agem sem responsabilidade social alguma e que geram uma legião de fãs babacas que acham maravilhoso rimar promiscuidades, exaltar o alcoolismo e rebolar a bunda. A educação para quem não tem dinheiro, salvo raras exceções, é esdrúxula. A democracia existe, mas o desejo do homem é manipulado pela mídia. A competição por fiéis e lucro tem feito com que a maioria das religiões mais afastem do que aproximem as pessoas. Para auto-realização, é preciso consumir e, para isso é preciso competir. O capitalismo considera sucesso quem consegue ter uma vida prazerosa e rica, mesmo que para isso ele seja desonesto ou desumano, explorando mesquinhamente o trabalho dos outros, gerando sofrimento para famílias inteiras em troca de seu conforto.
Desenvolvemos uma sociedade, injusta, falsa, destrutiva e excludente.
Nosso estilo de vida conduz ao caos, somos maus, hipócritas e tapamos o sol com a peneira. Talvez quando nossa espécie humana chegar ao fundo do poço, quando estivermos comendo os últimos insetos da face da terra e bebendo a própria urina... Talvez, quem sabe, surja um lampejo iluminado, que guie a consolidação de uma sociedade amorosa, solidária, igualitária e equilibrada com o meio ambiente.
Portanto, nobre humano, curta o seu futebol e a sua novelinha até que este dia chegue ou mexa agora o traseiro da poltrona e tente fazer alguma coisa pelo futuro da sua humanidade.


quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O mundo é meu



O mundo é meu!
Uma singela crônica contemporânea

Certa feita, na rodada final de um carteado no porão escuro de um bar qualquer, fui agraciado com um pacote turístico cósmico, com a chance paradoxal de viajar por planetas distantes. Avistei as montanhas de marte, esquiei nos anéis de saturno, sofri uma insolação em Mercúrio e aproveitei uma imperdível promoção intergaláctica na estrela de Ômega Delta 5, onde comprei dos camelôs venusianos um “raio vulcanizador universal trifásico”, uma poderosa arma com grife que vem embutida num satélite da Google Earth (pra coordenar em quem você quer atirar do espaço) e uma armadura feita com o mesmo e indestrutível metal das facas guinsu (aquelas da televenda), o que me permitiu dar início ao magnânimo plano de dominar o mundo.
Pensei cá comigo, hoje o Brasil, amanhã o mundo. Na minha estratégia filosófica de alcançar o cargo de “Gran Chefe Mor Jedi Imperador Rei PHD do Universo”, julguei ser coerente começar por aqui, por casa, passo a passo, botando ordem no lar primeiro, ensaiando a conquista do planeta. Comecei lavando a louça da pia e logo em seguida dominei todos os lideres nacionais e assumi o controle do país. Quem desacatasse minhas ordens teria sua cabeça pulverizada pelo meu poderoso raio. BZZZZZZZZZZZZZZZZ
Pois bem e agora? O país em minhas mãos, o que fazer?
Dizem que o poder corrompe. É exatamente o que aconteceu. Aguçou o meu radicalismo extremista, a minha fúria de guerrilheiro xiita e motivou o exercício antidemocrático de minha particular loucura ditatorial.
Pois bem, vamos as novas regras:
- Nas terças todos deverão vestir somente roupas colantes amarelas. Brincadeira, é apenas uma piada. Essa falsa regra foi só para assustá-lo e depois fazê-lo rir, para quebrar o gelo inicial da tomada do poder. Agora está valendo:
- Pessoas mal educadas, negativas e estressadas não podem sair de suas casas. É cárcere privado mesmo. Se botarem o nariz para fora da porta é raio na cabeça. Isso também serve para pseudo pais que não botam rédeas em seus filhos, estabelecendo os limites necessários e que não continuam em casa o trabalho de educar da escola.
- Qualquer forma de preconceito ou discriminação será punida com chibatadas em praça pública, a reincidência acarretará em castração com marreta.
- Qualquer cidadão maior de idade envolvido em caso de corrupção será perpetuamente proibido de usar roupas. Terá todos seus bens confiscados, documentos anulados, será marcado a ferro e exposto nos zoológicos.
- Quem não possuir formação de nível superior qualificada e senso de coletividade estará veementemente proibido de instalar som automotivo em seus veículos e de organizar festas.
- A regra acima também vale para candidatos a cargos públicos, que ainda deverão passar por uma prova seletiva, comprovando conhecimento técnico, que sabem elaborar projetos, que são humanizados e capacitados para a gestão comunitária.
- Cantores, músicos e produtores de sertanejo universitário, funk, axé, pagode, emo, lambadão, eletrônicos de baladas, Big Brothers e afins popularescos e comerciais serão encaminhados para cirurgia de lobotomia a esterelização.
- Apresentadores de rádio, de TV e jornalistas que não primarem pela educação, pela cultura e pela ética serão banidos p. escavações em minas de sal.
- Quem jogar lixo no chão ou não providenciar adequadamente o seu despacho para tratamento, deverá comer todo o detrito gerado de forma irresponsável. Obs.: pode usar catchup e maionese no processo degustativo.
- Quem citar Clarice Lispector ou Caio Fernando Abreu no Facebook terá que tatooar uma sereia na bochecha. Aliás quem citar qualquer coisa copiada da internet, cujo o livro não tenha sido devidamente lido pelo publicante será castigado.
É uma realidade fascista, utópica, fantasiosa, demente... Apenas uma grande piada, um ensaio insano. Mas tome cuidado, o futuro é incerto, imagina tudo mudar de repente e você estar desprevenido? Aí BZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ.



domingo, 27 de novembro de 2011

Vampiros com chantilly



Vampiros com chantilly

Naquela noite assumimos o controle do cinema, era o nosso particular ato de terrorismo cultural, hora de dar uma pequena, quase que insignificante, mas merecida chinelada nos modismos contemporâneos. Era apenas uma desforra de rebeldia com requintes de crueldade e humor negro.

Adolescentes e adultos sem alma, vestidos de preto e desfilando as arrojadas tendências atuais, faziam fila com seus olhos vidrados e corações lacrados para assistir a mais nova febre do momento, o filme Amanhecer, continuação da saga Crepúsculo. Nem vamos entrar no mérito da discussão sobre como o comércio deturpa mitologias e ícones da criatividade humana em detrimento do lucro. No caso, transformando os vampiros sanguinários, seres das trevas, em belos, bonzinhos e descolados galãs e “galoas” que despertam paixões, lançam moda, fazem caridade e poderiam até substituir o Luan Santana no mainstream, caso resolvessem cantar sertanejo universitário. É possível, não é um pensamento absurdo, sorte que ninguém ainda pensou nisso, já imaginou, “hoje tem show da viola caipira vampira”. Sucesso na certa!

Pois bem, esperamos as pessoas comprarem eufóricas suas pipocas com embalagens personalizadas do Edward e da Bella, suas “refrescolas” e adentrarem na sala. E então o verdadeiro show começou.

A sala de cinema foi trancada com correntes e cadeados, e o filme foi substituído por uma obra de vampiros que honra a sua tradição de horror. Escolhemos o recente filme coreano Sede de sangue, do diretor Park Cham-wook . Uma obra pesada, consistente, agressiva, que mistura violência, suspense, sexo, cultura oriental, religião... Conduzido por um excelente roteiro, capaz de chocar platéias acostumadas ao gênero e que, certamente, iria configurar-se numa impactante experiência para o público jovial.

Poderíamos até passar filmes excelentes como Drácula de Bram Stoker ou o sueco Deixe ela entrar, mas ponderamos que o momento merecia algo extremo e perturbador, afinal, é importante avisar essa turminha que não devem brincar com vampiros. O recado seria dado. (risos)

Claro que ficamos com receio das pessoas não entenderem a obra, afinal, o filme seria projetado com legendas e não dublado, a velha artimanha da indústria para pessoas infantilizadas.

No começo houve um princípio de confusão, alguns tentaram abrir a porta, esforço em vão e o espetáculo seguiu com o som a todo o volume, ar condicionado ligado no máximo para arrepiar a espinha, sangue, escatologias e uma história doentia escorrendo na tela do cinema que nunca havia presenciado tamanha manifestação artística e bizarra. Aos poucos a platéia parou de reclamar e silenciou. Gritos reais e choro foram percebidos. Claro que não generalizados, alguns sofreram calados, outros foram escandalosos, e até aposto que alguns gostaram.

Quando faltavam uns vinte minutos para a sessão acabar, fomos embora, ligamos para a segurança do local ir abrir a sala. No outro dia certamente o assunto tomaria as ruas da cidade. Vídeos gravados com a reação das pessoas ao filme seriam publicados na internet e a ação de guerrilha ganharia status e fama.

Cheguei em casa satisfeito, um pouco apreensivo pela repercussão do ato, mas feliz por ter pelo menos um pingo de coragem e dar um soco no estômago do sistema. A adrenalina estava alta, demorei a dormir.

Comecei a sentir que o ambiente estava gelado, mas o sonolento pensamento ainda me mantinha distante da realidade consciente. Era um incomodo frio que aos poucos me fez acordar. Abri os olhos e percebi o vulto dentro do meu quarto. Senti um medo que jamais havia experimentado, fiquei apavorado, imóvel, apenas com os olhos arregalados encarando aquela figura fantasmagórica na minha frente, tentando entender o que estava acontecendo. O invasor deu dois passos a frente. Um raio de luar que entrava pela janela iluminou o seu rosto, não acreditei no que estava vendo. Era ele, o próprio, o vampiro Edward, com seus dentes afiados e olhos vermelhos. Ele ficou me olhando, saboreando o meu medo, a sua vingança e disse:

- Você não deveria tentar desmoralizar o meu clã e os meus fãs. Agora vai pagar caro. Eu vou sugar você.

Opa, isso não estava no script. Parem o mundo que eu quero descer, agora sim eu estou apavorado. Eu não sabia qual seria o meu fim. O que ele iria fazer? O que ele queria dizer com aquilo? Por que a Bella não veio junto? Que hora inconveniente para dualidades até porque, afinal de contas, essa nova geração de vampiros está muito moderninha. Apenas me encolhi todo e estiquei o pescoço o máximo que pude, protegendo o corpo, mas deixando a jugular totalmente vulnerável, ao fácil alcance do emissário das trevas, ou de Hollywood, sei lá. Seria bem mais agradável e honrado morrer assim. Melhor não arriscar né?

E nem adiantava esperar o nascer do sol, porque ele não morre, ele brilha.

Em 2012 o mundo vai acabar?



Em 2012 o mundo vai acabar?
Talvez ele devesse mesmo.

Autor: Marcelo Trilha



As palavras são radicais, mas esta é apenas uma crônica reflexiva.

Não recordo se foi através de um blog, piada de um amigo ou TV, mas escutei estes dias que o fim do mundo estava próximo, e não estavam se referindo a previsões de Nostradamus ou dos povos maias, bastava prestar atenção nos sinais do cotidiano: Faustão magro, Silvio Santos com dificuldades financeiras, Sandy garota propaganda da cerveja (e dando tórridas declarações sobre práticas sexuais ousadas), Rock in Rio quase sem rock... E até aqui é só humor ou futilidades, mas a coisa vai ficando pior: Ronaldo Gaúcho recebendo medalha da Acadêmica Brasileira de Letras (lembrando que o Sarney já faz parte desse seleto grupo e que o poeta Mário Quintana jamais foi convidado para a Acadêmia), Tiririca no Conselho de Educação, Restart como banda do ano, Mulher Maçã se comparando a Apple e homenageando Steve Jobs, Tonho Croco, artista gaúcho, processado por ter composto um rap que denuncia o aumento de salário de 73% dos Deputados do RS, Collor na Comissão de reforma política, o lambadão cuiabano, Neymar e Luan Santana como os jovens modelos a serem seguidos pelas novas gerações e, ainda, tem a Copa Futebol Palhaçada do Mundo, em que irão nos fazer de idiotas de todas as formas possíveis e nunca seremos tão nacionalistas e felizes.

Seria cômico, se não fosse trágico.

Está tudo invertido, só falta começarmos a fazer necessidades fisiológicas plantando bananeira, declararmos guerra contra o sol, pingarmos limão nos olhos e nos alimentarmos de tijolos. E não estou falando nada absurdo, se alguém influente disser que isso é a “nova onda”, é o “hype do momento”, “que está na moda”... As pessoas vão fazer.

Hoje você não tem que ser bom, você tem que ser pior.

Marqueteiros de plantão aprendam a lição: quanto mais esdrúxulo, quanto mais bizarro, melhor. Sigam o conselho e fiquem ricos. Somos peritos em eleger malandros, incompetentes, em rir de imbecis ou da desgraça alheia e aplaudirmos artistas e celebridades fugazes. Esse é o nosso jeitinho brasileiro e não desistimos nunca.

Não leia bons livros, não escreva poesia, fuja dos papos cabeça, veja muita TV aberta, aceite as injustiças, a corrupção e seja feliz em meio ao caos. Lutar contra a anormal condição da sociedade só servirá para você ficar doente e com fama de louco.

Um amigo me disse esses dias: “Nunca se esqueça: a burrice sempre vence a inteligência. A inteligência tem limite e a burrice não”. É uma frase dessas que a gente lê por aí, na Internet, mas cabe perfeitamente no momento.

No que nos tornamos? Subprodutos acéfalos, manipuláveis, analfabetos funcionais, superficiais, acomodados, ignorantes, maliciosos, individualistas, promíscuos, religiosamente e moralmente hipócritas, alcoólatras, dotados de um humor chulo e perverso e de um gosto cultural duvidoso e baixo. Mas, em contrapartida, possuímos corpos sarados, belos carros e roupas da moda. Isso é ser humano? Esse será o legado de nossa civilização para o futuro?

Sim.

Talvez.

Por nossa sorte, sempre há uma esperança.

Existiram e ainda existem pessoas humanizadas e conscientes. Pessoas extraordinárias, ativistas, artistas, professores e intelectuais que podem fazer a diferença e inspirar homens e mulheres a cultivarem o bem coletivo, a questionarem as injustiças e as incoerências da sociedade. Existem bibliotecas, sebos de livros, de discos, locadoras com filmes clássicos, cult, e tem a Internet, que possibilita acesso ao conhecimento e interliga mentes pensantes, quando não utilizada apenas como elemento de alienação.

Em meus mais utópicos sonhos até vejo um esboço de reação. As pessoas estão cansadas de ficarem apenas assistindo a tudo dos seus sofás. É apatia demais perante os descasos e barbáries da sociedade. Quem sabe, a qualquer momento, a indignação da nação gere movimentações organizadas e intensas por um país melhor. Mas são apenas sonhos.

Alberto Dines, Jorge Amado, Beto Brant, Márcia Tiburi, Fernando Meireles, Marilena Chauí, José Padilha, Hilda Hilst, Augusto dos Anjos, Zeca Baleiro, Almir Sater, Gabriel O Pensador, Criolo, Cássia Eller, Clarice Lispector, Martha Medeiros, Vik Muniz, Felipe Pondé, Céu, Chico Buarque, Caetano Veloso, Mutantes, Luis Fernando Veríssimo, Arnaldo Antunes, Paulo Freire, Carlos Drummond de Andrade, Vitor Ramil, Lobão, Renato Janine Ribeiro, Geraldo Azevedo, Chico Science e todo o pessoal do manguebeat, Milton Nascimento, Machado de Assis, Raul Seixas, Renato Russo, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Mário Quintana e tantos outros brasileiros que lutaram e lutam tão bem.

Somente essa sinergia de artes, pensamentos e educação ainda é capaz de nutrir alguma esperança.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A bagaceira tomou o poder e transformou mulheres em coisas







A bagaceira tomou o poder e transformou mulheres em coisas

No Rio Grande do Sul, um vídeo vazou na internet contendo relações sexuais envolvendo uma menina de apenas 11 anos de idade. Em São Paulo surgiu outro vídeo de uma orgia com cinco rapazes e uma menina de 15 anos. Em Santa Catarina, três jovens estupram uma menor de idade em meio a uma festa, filmaram o ato violento e divulgaram na internet. Jovens começam a paquerar enviando vídeos pelo celular em que aparecem mantendo relações sexuais. Isso, apenas citando alguns acontecimentos recentes, que vêm se tornando rotina, demonstrando a banalização do sexo, da afetividade e a vulgarização da imagem da mulher. Em nossa região o número de adolescentes grávidas e também o número de casos de AIDS já é bastante preocupante. Tudo está relacionado e fica a pergunta: O que está acontecendo?
Muitas campanhas são realizadas sobre prevenção sexual, mas não se fala em nenhum momento de prevenção cultural, a verdadeira raiz de todo o problema.
Para vender produtos, garantir altos índices de audiência e fazer a máquina do consumo girar utilizam mulheres que devem ser apenas “gostosas para sempre”, “a boa”. É o culto ao sexo e ao corpo, onde a personalidade feminina não é mais relevante, desde que esteticamente essa mulher seja atraente e provocante. Aliás, com o perdão da palavra, a “bunda” hoje foi promovida a instrumento de ascensão social.  Funkeiras e atrizes pornôs tornam-se ícones da sociedade, objetos máximos do desejo masculino e modelos da “mulher ideal”. Cria-se um fetishe de puro prazer e submissão. Permitiram que uma cultura machista de botequim começasse a imperar na sociedade e o pior, inspirar nas crianças o desejo de ser apenas um “siliconada” do futuro.
“Popozuda”, “potranca”, “cachorra” ou “piriguete.”
Alguns pseudo-artistas depreciam com suas rimas pobres a imagem da mulher e tem seu sucesso impulsionado por essas mesma mulheres que simplesmente não valorizam sua condição de mulher. Elas dançam e compram essa idéia proclamada em sua música. Aceitar ser rebaixada a tanto, com um sorriso no rosto, só para seguir o embalo do sucesso do momento, é não possuir amor próprio, pois fomenta uma cultura que transforma a mulher numa coisa que não merece ser respeitada.
O homem, da mesma forma, é estimulado a ser o esperto, o macho alfa, com mais dinheiro e poder possível para liderar o bando e seu território. Perde o interesse por maiores envolvimentos emocionais, pois é estimulado a supervalorizar o corpo e a buscar momentos esporádicos de prazer com o maior número de parceiras possível. Por que respeitar uma “piriguete”? Ele deve mesmo é mentir pra ela que vai pescar, quando realmente vai para a farra, porque lá “vai ter sete pra cada homem”, como proclama orgulhosa a letra de um sucesso recente.
Danças que simulam o ato sexual, novelas e programas humorísticos que usam o sexo e o preconceito como o elemento forte de suas narrativas... Tudo isso ao alcance de uma população com pouco acesso à educação decente. Perde-se o respeito e o cuidado pela alma feminina. E se a mulher virou simplesmente uma coisa, um objeto, então o sujeito pode usar, brincar e jogar fora, inclusive, praticando violência física, psicológica ou simbólica.
Formou-se uma grande sociedade cabaré, num gigantesco retrocesso que ecoa de um Brasil carente de investimentos culturais e de valores que sejam positivos para a formação de uma cidadania mais justa e consistente. Essa miséria moral e intelectual está deixando marcas profundas e irremediáveis na geração jovem de hoje e torna-se angustiante pensar no que o futuro ainda pode reservar.
Use camisinha, mas fique a mercê de conteúdos alienantes e sexistas da mídia. Essa é a grande armadilha. Estes conteúdos estão impregnados em todos os espaços sociais, portanto a proibição torna-se inútil, resta apenas desenvolver a seletividade dos conteúdos culturais que chegam até você, desenvolver o pensamento crítico-reflexivo, a inteligência emocional e torcer por um futuro melhor... Hoje eu vou fazer a minha parte, é o que posso fazer por hora, vou ler um bom livro, pensar na vida e continuar defendendo o meu posicionamento sobre essa questão.

"Não dá para prever em que adulto a criança vai se transformar quando recebe informação antes do tempo, quando é erotizada precocemente. Ela pode se assustar e ter relacionamentos fracassados. Pode ainda fingir que entende tudo e levar isso para a vida adulta, transformando-se numa pessoa desorientada.
                                                              Rosane Signes - Psicanalista


"A criança fica com uma visão pobre da sexualidade. O que me assusta não é o erotismo barato da televisão, mas a exclusividade que se dá a esse tema na programação. E essa erotização não é passada de uma maneira afetiva. Pelo contrário, é agressiva. O sexo na tevê parece essencial e inadiável. Se os pais não contrabalançarem com críticas, podem atrofiar na criança valores ligados à sua afetividade. A tevê faz parte da cultura. O que é preciso é mostrar que o valor daquilo que se vê é ruim."
                                                                     Yves de la Taille - Psicólogo


Fonte dos comentários: Revista época http://www.terra.com.br/istoe/comport/143409.htm

Publicado em 2009 no Jornal Gerador do ITPAC.

Você é um anunciante socialmente responsável?

Você é um anunciante socialmente responsável?


“Marca é uma entidade perceptual que existe num espaço psicológico na mente do consumidor. Deve agregar como valor ao produto um posicionamento perceptual que garanta benefícios emocionais e psicológicos, transmitidos pela publicidade que cria uma mitologia associada ao produto. (...) A maioria das marcas de sucesso tem em geral um posicionamento e uma mitologia de marca que vão além do produto físico. Elas procuram combinar os atributos/benefícios do produto com benefícios/psicológicos”.
                                                                                        Sal Randazzo

Sal Randazzo defende que um produto tem características tangentes (palpáveis, concretas) e intangentes (natureza emocional, alma da marca). Essa imagem na mente do consumidor é construída através da utilização e/ou contato da pessoa com um determinado produto e, também, das diversas comunicações dessa marca que chegam até ela. Um comercial de TV, uma experiência, um panfleto ou até mesmo a opinião de um conhecido, elogiando ou reclamando da marca, enfim, as mensagens que circulam na sociedade, geram reflexões e percepções dessa marca na mente dos consumidores.
Portanto, o perfil das pessoas que fazem parte de uma organização e as ações mercadológicas dessa organização no dia-a-dia irão atribuir valor a sua marca com o passar do tempo.
A questão é: você é um empresário que investe uma quantia mensal em sua publicidade, as mensagens que você transmite em seus comerciais, as campanhas de que participa ou patrocina e os programas e/ou veículos de comunicação em que anuncia são politicamente corretos? Você e sua marca estão contribuindo de forma positiva ou negativa para o futuro da sociedade?
A longo prazo, esta questão pode ser um elemento diferencial que interfere na decisão de compra dos clientes, que podem optar por marcas mais humanizadas e responsáveis. Ser um empreendedor “predador”, que pensa apenas no lucro imediato, numa atitude despreocupada e irresponsável com o futuro da sociedade, com certeza não é um bom negócio, nem para a imagem desse empreendedor (Marketing Pessoal) e nem mesmo para sua marca, que pode sofrer associações negativas, principalmente, porque se vive num tempo marcado pela indignação total contra a corrupção, contra a falta de valores morais, contra a degradação da natureza e contra a violência, por exemplo, onde as pessoas cobram cada vez mais a chamada “ética cidadã” dos agentes que convivem em sociedade.
Grandes marcas já perceberam esta questão e por pressão da sociedade pararam de patrocinar programas ligados a baixaria na televisão brasileira, o que já está ocasionando, por exemplo, a retirada da programação de um canal de televisão do “Programa do Ratinho” e do “Jogo Duro”, pois estes programas começaram a dar prejuízos por falta de patrocínios (Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u63386.shtml). João Kleber, da Rede TV, por uma liminar, teve suspensa a apresentação do seu programa Tarde Quente, pois a atração pregava a homofobia, em seguida a Rede TV ficou fora do ar por mais de 24 horas, devido ao não cumprimento da decisão judicial. (Fonte: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/11/337998.shtml). Podemos citar ainda a repercussão negativa de uma campanha de cerveja, onde no altar o noivo questiona se sua futura esposa promete “ficar gostosa para sempre”, numa atitude humorística que denigre a imagem feminina, relacionando o valor da mulher apenas a sua estética.
A programação gratuita de televisão e rádio é o grande elo comunicacional que interliga todo o país. Muitas famílias têm nesses veículos a sua única fonte de informação. Chega a ser mesquinho fomentar conteúdos de baixo nível, que não primem pela melhoria da qualidade de vida das pessoas. Uma programação melhor, que valorize a arte, a inteligência humana e a coletividade justa e cidadã poderia ser a grande ferramenta da mudança, suprindo diversas lacunas do desenvolvimento do país.
A sua empresa e a sua marca são criações e responsabilidades suas. São como filhos, como agentes que interferem e condicionam a vida da sociedade. Fazendo uma alusão religiosa, se houvesse também o dia de realizar um “julgamento cidadão final das marcas”, você estaria tranqüilo? Para o bem de todos espera-se que sim. A mídia será sempre um reflexo da qualidade de seus profissionais, da população que ela abrange e de seus anunciantes.
Uma gestão de negócios socialmente responsável transforma discursos em ações práticas, alinhados com o desenvolvimento empresarial sustentável. A sua verba comunicacional pode ser a moeda principal da mudança.


Artigo escrito em 2006 para o Jornal da ACIARA.
Marcelo Trilha – Publicitário (UPF-RS), especialista em Leitura e Produção Escrita (UFT), Metodologia do Ensino Superior e Marketing Estratégico (ITPAC). Responsável pela comunicação da ACIARA e do ITPAC, onde atua também como professor.